A doença do disco louco
A doença do disco louco, ou do disco gira-gira, ou do disco maluco, ou ainda, doença doida, havia se tornado rara, no nosso plantel de acará disco, desde o século passado. Agora está voltando a assustar os criadores de Acarás disco, conforme casos recentes que estão chegando ao nosso conhecimento.
O animal entra em estado de loucura, corre desesperadamente pelo aquário batendo em troncos, pedras, no vidro ou em qualquer coisa que esteja à sua frente e, em seguida, gira desordenadamente, como se houvesse um eixo imaginário. Há registro de casos em que a crise é tão violenta que o animal chega a sair do aquário. Após o ataque o peixe se recolhe a um canto, ofegante e leva algum tempo para se recuperar.
Há mais ou menos dois anos esta anomalia ocorreu no meu plantel, dizimando quase uma centena de alevinos de Blue diamond. Na ocasião apelei para todos os medicamentos conhecidos, no entanto nenhum deles apresentou resultado.
Pesquisando e conversando com os criadores pude observar que a anomalia em questão ocorre, com maior freqüência, em discos na fase de alevinos e na fase de infanto-juvenis e geralmente dizima toda a população do aquário. Constatei, também, que a enfermidade ocorre após um estado de estresse, tipo trocas de água mal elaboradas, parâmetros físico-químicos inadequados, alimentação deficiente, superpopulação, alta concentração de matéria orgânica, redução na concentração dos níveis de oxigênio dissolvido; manipulação inadequada ou, ainda, quando os peixes encontram-se em fase de recuperação de alguma outra enfermidade o que me leva a concluir que o patógeno, em questão, se aproveita de um estado de baixa imunidade.
Depois de pesquisar, vários materiais sobre enfermidades de peixes ornamentais, teço os seguintes comentários:
Trata-se de uma doença causada por um protozoário denominado “myxosoma cerebralis”. A citada anomalia foi identificada pelo patologista chamado Hofer, no ano de 1903 e denominada myxosomiose. Este bio-agressor pode infectar também outras espécies de peixes ornamentais e de corte e, quando ocorre no acará disco, geralmente leva ao óbito.
O organismo em questão pertence ao grupo dos myxosporida. É um parasito da cartilagem da cabeça e da coluna vertebral e a sua transmissão é horizontal, ou seja: no ambiente aquático, por outros peixes infectados, podendo ser por diferentes vias, como feridas, ulcerações, mucosas, alimento contaminado, contato direto do animal doente ou por liberação do conteúdo intestinal.
O temível protozoário passa por diferentes fases de desenvolvimento, no entanto, a transmissão ocorre na fase de esporos. O esporo se fixa à mucosa intestinal do animal e depois de algum tempo se transforma em um trofozoide polinucleado (a forma ativa do patógeno). O trofozóide penetra na parede do interior de órgãos internos e estruturais, como por exemplo: músculos, fígado, baço e intestino e dali passa para corrente sanguínea podendo chegar ao cérebro. O período de incubação do agente é de aproximadamente 40 dias, variando de acordo com a temperatura da água e o estado de saúde do peixe.
A sintomologia que se manifesta na myxosomiose caracteriza-se pelo enegrecimento da epiderme, iniciando, discretamente, na altura do pedúnculo caudal e espalhando-se pelo resto do corpo; posteriormente ocorrem as mudanças inusitadas no comportamento. O animal entra em estado de loucura, durante 10 a 30 segundos; caracterizada por movimentos de fuga, complementados por desordenados movimentos de rotação; como se ele girasse em torno de um eixo imaginário. Após o transe o animal fica ofegante e leva um tempo para se recuperar e depois volta ao normal. Com o decorrer da doença o disco para de comer, se isola do cardume e emagrece exageradamente. Os peixes que resistem a esta enfermidade por mais de três meses costumam apresentar deformações no crânio, ou seja, formação de partes côncavas, redução do maxilar superior e inferior, redução do opérculo e desvio na coluna vertebral. As crises de loucura se repetem sem períodos determinados e numa delas o animal morre.
Convém ressaltar, também, que o peixe infectado apresenta-se em constante estado de estresse o que provoca, conseqüentemente, uma baixa considerável no seu sistema imunológico deixando-o, assim, frágil frente aos demais patógenos (fungos, parasitos, bactérias, vírus, protozoários) presentes no meio, que também se instalam em seu organismo levando-o, mais rapidamente, a um estado de falência fisiológica.
Relativamente à terapia para esta anomalia, vários fármacos foram experimentados por diversos criadores: antibióticos, fungicidas, bactericidas, parasiticidas, porém nenhum deles se mostrou eficaz frente a myxosomiose.
A título de informação, vale relatar que o Laboratório Nacional para o Diagnóstico das Doenças dos Peixes do Instituto de Veterinária e Patologia Länggassstrasse da Universidade de Berna publicou um trabalho, assinado pelo Dr. T. Wahli, sobre o citado patógeno, ressaltando que os esporos deste organismo são incrivelmente resistentes, podendo manter-se íntegros durante décadas no substrato e quando ocorre em lagos é capaz resistir até ao tratamento com maciças dosagens de cal virgem, que geralmente se utiliza na profilaxia do tanque. Ressalta, ainda, o citado documento que o diagnóstico certo para a myxosomiose só é possível em laboratório e que o tratamento medicamentoso é muito difícil.
A título de curiosidade, convém citar um artigo do criador de disco Francês J.C. Nourrissat, publicado na revista Aquarama, no ano de 1980: O citado criador relatou que após ter esgotado todos os recursos farmacológicos, tentou como o último tratamento o cloreto de sódio(nacl). Embora criticado pelos outros criadores que achavam o tratamento com sal não daria certo, Nourrissat afirmou que a terapia se mostrou eficaz. O tratamento utilizado por ele consistiu em dissolver cinco gramas de sal para cada litro de água e deixar os peixes naquela solução durante quinze dias.
Passados esse período extrair o sal da água gradativamente, efetuando trocas de um terço diariamente, durante uma semana.Depois de uma semana fazer trocas com água destilada durante oito dias. Nourrissat afirma ter conseguido a cura de seus peixes com esta terapia.
Por oportuno, convém relatar, também, o registro de alguns casos onde houve reversão espontânea da anomalia. Esses poucos registros ocorreram em peixes sexualmente maduros, o que nos leva a crer que estes, por possuírem o sistema imune totalmente formado, apresentaram melhores condições de defesa pelo organismo, fato que não ocorre nos alevinos e infanto-juvenis que ainda não possuem os seus sistemas imunes totalmente prontos.
Em face do exposto, por questão de lógica e bom senso, ao primeiro sinal da myxosomiose será recomendável o isolamento dos animais que apresentarem os sintomas, a profilaxia do aquário e a troca total da água dos outros peixes, a fim de evitar a infestação pelos esporos que estarão, com certeza, presentes na água.
Autor:Wilson Vianna (21/04/2010)
Fonte: Aquaflux